Pode-se dizer que, no Brasil, técnicas negociais que versam sobre o combate e prevenção à corrupção e crime organizado foram recém aperfeiçoados através de mecanismos legais implementados há menos de uma década. Dentre as legislações mais pertinentes sobre o assunto, destacam-se as leis nº 12.846 e nº 12.850, ambas datadas de agosto de 2013.
A lei nº 12.846, com enfoque no combate à corrupção, “dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências”. Em paralelo, a lei nº 12.850, aborda justamente o tema das organizações criminosas e “dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal” com relação aos crimes atinentes a esta matéria.
Em ambos diplomas, o legislador previu técnicas negociais que visam o estímulo à obtenção de informações, documentações, ou provas sobre práticas criminosas em troca de algum benefício ao “denunciante”, sendo, respectivamente, a primeira referente ao acordo de leniência, e a segunda sobre a colaboração premiada, nas quais aquele que se mostrar disposto a colaborar e ceder informações obterá uma recompensa por isso. Neste cenário, o foco recairá sobre a segunda hipótese, a colaboração premiada, considerada um “negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos” (art. 3º-A, da lei 12.850/13).
Em suma, nas palavras de Cezar Roberto Bittencourt, a colaboração premiada “consiste na redução de pena (podendo chegar, em algumas hipóteses, até mesmo a total isenção de pena) para o delinquente que delatar seus comparsas” (2016, p. 717). Este mecanismo pode ser perfeitamente representado na Teoria dos Jogos através do Dilema do Prisioneiro, melhor explorado a seguir.
Conforme bem apontado na obra “Análise Econômica do Direito”, o Dilema do Prisioneiro é um “jogo simétrico” que surge em 1950, proposto por Albert Tucker (MACKAAY, 2015, p. 57-58), no qual dois prisioneiros (comparsas) são expostos à uma combinação de hipóteses baseadas em punições e recompensas, devendo, ao fim, tomarem a melhor decisão dentro das condições que lhes são propostas.
A título de exemplo, vejamos o seguinte cenário hipotético, associando a teoria aos temas em questão. Suponha que há um grupo com número indeterminado de indivíduos (certamente superior a 4 membros), devidamente enquadrado como organização criminosa, nos moldes do art. 1º, §1º, da lei 12.850/13. Dois membros são capturados pela autoridade policial e colocados em salas distintas de uma mesma delegacia. Considere, ainda, que estes suspeitos incidam no crime elencado no art. 2º do mesmo diploma legal (constituição de organização criminosa), cuja a pena de reclusão pode variar de 3 a 8 anos, e, concomitantemente, no crime de fraude em licitação, previsto no art. 337-L, do Código Penal, cuja a pena de reclusão pode variar de 4 a 8 anos de prisão, mais multa, isto pois a principal função da organização era justamente promover “esquemas de facilitação em certames públicos”.
Desconsiderando as demais variáveis, como a potencial possibilidade de corrupção de membros da administração pública, cuja a sanção é analisada em apartado, vislumbra-se um caso clássico de organização criminosa que atua em prejuízo ao erário público. Neste cenário, tem-se que as penas podem variar, portanto, de 7 a 16 anos, em todos os casos somadas à multa.
Com essas informações, a autoridade policial apresentará um cenário espelhado a ambos suspeitos, que pode ser exemplificado da seguinte forma: se um investigado colaborar, apontando demais membros, informações, estrutura da organização, enfim, fornecer quaisquer outras provas úteis e capazes de combater a organização criminosa, poderá ter sua pena reduzida a apenas dois anos e meio (possibilidade de redução de até 2/3 da pena, prevista no art. 4º da lei 12.850/13), enquanto aquele que não colaborasse teria a pena máxima de 16 anos. Se ambos colaborassem, porém, a redução seria menor e ambos sofreriam uma pena de 5 anos. Contudo, se nenhum deles estivesse disposto a colaborar, a pena seria de 4 anos para ambos, vez que, apesar de a autoridade policial não ter contado, não havia provas suficientes para enquadrá-los como uma organização criminosa, restando apenas a pena mínima do crime elencado no art. 337-L do CP.
Deste modo, há um jogo de combinações entres as condições de incentivo e punição, cujas possibilidades podem ser representadas através do quadro abaixo:
Verifica-se que os prisioneiros se deparam com condições em que a colaboração tende a ser a melhor opção face a quantidade de pena aplicada àquele que não colaborar. Nesse sentido, pode-se dizer que a estratégia dominante seria a colaboração do investigado em troca de uma redução da pena. Considerando, pois, que ambos optem pela colaboração, tem-se que ambos sofreriam uma pena de 5 anos, alcançando o que é conhecido por Equilíbrio de Nash, ou seja, a estratégia adotada foi aquela que melhor atendia os interesses individuais de um investigado face os riscos que corria ao considerar a estratégia de seu comparsa (“oponente”, se considerarmos a ideia dessas estratégias como um jogo).
Assim como ocorre na prática jurídica, a figura do prisioneiro encontra-se sob uma forte pressão, seja da justiça, seja da mídia, não havendo só a pena, mas todo um contexto de estrutura empresarial ou governamental por trás do investigado, até mesmo um envolvimento familiar, o que propiciam a opção pela colaboração. Contudo, analisando o quadro com um olhar mais cético, depreende-se que a melhor opção seria, na verdade, aquela em que nenhum dos prisioneiros colabora, também conhecida como Equilíbrio Cooperativo. Nesta hipótese, o desfecho é mais vantajoso do que no Equilíbrio de Nash, pois as penas de ambos seriam inferiores às anteriormente obtidas. Assim, conclui-se que cooperar seria melhor do que competir.
O problema está justamente na desconfiança de qual atitude cada jogador (prisioneiro, investigado) pode tomar, obstáculo criado pelo fato de estarem isolados, sem qualquer meio de comunicação, apenas norteados pelo posicionamento da autoridade policial que, no fundo, tem como principal interesse obter provas para desmantelar a organização criminosa sob investigação.
Fato é que, o legislador, ao criar o instituto da delação premiada (o acordo de leniência, o acordo de não persecução penal e outros dispositivos transacionais na esfera penal), buscou meios mais eficientes para solucionar o ato infracional sob investigação, através de fontes internas, participantes do delito, de modo a atingir o resultado mais satisfatório possível no desfecho de cada caso.
No mundo prático da delação premiada, em que membros de organização criminosa e corruptos são expostos a cenários semelhantes ao exemplificado acima, a combinação entre os fatores punitivos e recompensas não é necessariamente tão clara como foi desenhando no quadro elaborado. A colaboração pode parecer a estratégia dominante, mas se forem considerados fatores externos, como a possibilidade de o delator ser excluído de futuros “esquemas” ou ter sua vida e a de familiares ameaçada, a possibilidade de colaboração pode sequer ser considerada, a menos que seja colocado a sua disposição um programa eficiente de proteção que garanta sua segurança, bem como seja garantido o sigilo na identificação de sua delação.
Ocorre que, neste quesito, o Brasil ainda possui um sistema precário de proteção, com diversas falhas sujeitas ao vazamento de informações, como as cotidianamente constatadas nas últimas operações realizadas para desvendar esquemas de corrupção e combater crimes envolvendo organizações criminosas. Um grande passo foi dado com os ajustes nos mecanismos explorados neste trabalho, inclusive com alterações mais recentes, com o Pacote Anticrime, lei nº 13.964/19, porém há um longo caminho a ser percorrido pela legislação brasileira visando a melhora destas técnicas negociais na esfera penal, que podem ser otimizadas com o aprofundamento dos estudos interdisciplinares como ocorre com a teoria dos jogos.
BIBLIOGRAFIA
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal econômico, v. 2. São Paulo: Saraiva, 2016.
Disponível em: Minha Biblioteca Acesso em: 26 set. 2021.
MACKAAY, Ejan et ROUSSEAU, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Traduzido por Rachel Sztajn. Segunda Edição. São Paulo: Atlas. Grupo GEN, 2015.
Disponível em: Minha Biblioteca. Acesso em: 26 set. 2021.